A emoção de uma viagem, no fim das contas, consiste no
imprevisível. Consiste no frio na barriga que dá conhecer o desconhecido, de se
surpreender ou se decepcionar com a beleza dos lugares e da convivência volátil com pessoas de diferentes origens, sejam elas nativas das cidades que visitamos
ou parte da mescla cultural que nos impõe um quarto de hostel.
Era noite e fazia 5°C quando cheguei em Oslo, capital da Noruega. Estava cansada,
carregando 15kg de mochila na espinha e mais faminta que o lobo mau quando comeu
a vovó de chapeuzinho vermelho. Fiz o check-in no hostel, joguei as mochilas na cama e fui dar uma
caminhada para ver a cidade e acalmar o estômago. Com passos apressados e cabelos esvoaçados pelo vento ártico, tudo
que eu pude encontrar de mais barato no centro da cidade, às 22h, foi um Burguer
King, onde eu paguei a bagatela (só que não) de 10 euros na promoção mais barata.
De volta ao hostel, fui diretamente para o quarto que tinha 6
camas, mas apenas uma delas, além da minha, parecia estar ocupada; lugar onde
eu, inocentemente, achava que iria ter um encontro com a paz e me preparar para
a jornada do dia seguinte. Segundos depois de entrar e trancar a porta, ouço o ruído
de alguém do outro lado tentando encaixar, sem sucesso, a chave na fechadura,
foi quando eu decidi dar uma mãozinha e abrir por dentro.
Ao puxar a maçaneta, eis que daquele orifício retangular me surge um
chinesinho vestido em um casaco esporte preto, uma bermuda cáqui e tênis branco
com uma meia da mesma cor esticada quase até o meio da panturrilha. Poderia aqui especular
sobre a idade dele, mas não o farei, porque, em se tratando da etnia amarela, essa
é uma tarefa bastante difícil, uma vez que esse povo tem alguma dificuldade em criar
rugas ou fios de cabelo branco. Ao me avistar, este cidadão arregalou os olhos
me conferindo da cabeça aos pés, olhou repetidas vezes para mim e para o
número da porta do quarto e só parou de fazer isso para me perguntar:
- Boa noite, você está nesse quarto? Desculpe, estou perguntando
porque estou nele.
Eu, com um sorriso estampado, respondi com um singelo sim. Ele
então replicou: olhe, eu estou nesse quarto, mas, se você quiser você pode
ficar, ok?
- Não é uma opção minha, a recepção me deu um chaveiro com o
número desse quarto, respondi.
E então ele saiu, retornando em alguns minutos com
um semblante de preocupação: Fui na recepção, você está nesse quarto mesmo, mas se
você não se importa, você pode ficar. Disse ele.
Eu parei, sentei na minha cama e tentei
entender qual era o problema dele. Para resumo de conversa, ele me disse que
nunca viu um hostel colocar homem e mulher sob o mesmo teto, que eu era
corajosa de viajar sozinha e dividir quarto que tem homem, mas que ele era um
bom rapaz e não ia me fazer mal.
Quando eu pensei que a odisseia tinha terminado, ele, sem eu ter
feito jamais uma pergunta ou ter pronunciado sequer uma palavra, deu para contar
sobre seu trabalho, sua vida em Honk Kong, sua viagem e disparou a falar naquele
inglês pulado no L, como se não houvesse amanhã. Depois de 10 minutos de um
discurso que me embalava como uma canção de ninar, decidi que, enquanto ele
falava, eu ia fazendo minhas coisas no computador, tentando conectar a internet
que não funcionava de jeito maneira, dando respostas monossilábicas e
balançando a cabeça positivamente. E assim, a coisa seguiu até que ele se despediu dizendo que não
queria mais me incomodar e ia dormir, não sem antes me desejar uma boa viagem. Ele
então se deitou com a barriga para cima, braço direito apoiado nos olhos e, como
se estivesse comandado por algum aplicativo de smartphone, em apenas 30 segundos
já estava roncando como uma criancinha.
Meu sono passou, quando dei por mim, o sol já ensaiava nascer. Com
medo que o chinesinho acordasse e disparasse a falar novamente, desliguei o computador, me acomodei em
posição fetal e tentei dormir. Dois dias depois, encontro com essa
criatura na Suécia, no porto de Estocolmo a caminho de Helsinque, na Finlândia,
mas isso é assunto para outra postagem. E foi assim, com esse senso de humor,
que a Escandinávia me deu as boas vindas e eu iniciei minha peregrinação pelo
velho continente, feliz e mais vibrante que cor de esmalte da moda.
