19 outubro, 2013

Mais vibrante que cor de esmalte da moda

A emoção de uma viagem, no fim das contas, consiste no imprevisível. Consiste no frio na barriga que dá conhecer o desconhecido, de se surpreender ou se decepcionar com a beleza dos lugares e da convivência volátil com pessoas de diferentes origens, sejam elas nativas das cidades que visitamos ou parte da mescla cultural que nos impõe um quarto de hostel.

Era noite e fazia 5°C quando cheguei em Oslo, capital da Noruega. Estava cansada, carregando 15kg de mochila na espinha e mais faminta que o lobo mau quando comeu a vovó de chapeuzinho vermelho. Fiz o check-in no hostel, joguei as mochilas na cama e fui dar uma caminhada para ver a cidade e acalmar o estômago. Com passos apressados e cabelos esvoaçados pelo vento ártico, tudo que eu pude encontrar de mais barato no centro da cidade, às 22h, foi um Burguer King, onde eu paguei a bagatela (só que não) de 10 euros na promoção mais barata.

De volta ao hostel, fui diretamente para o quarto que tinha 6 camas, mas apenas uma delas, além da minha, parecia estar ocupada; lugar onde eu, inocentemente, achava que iria ter um encontro com a paz e me preparar para a jornada do dia seguinte. Segundos depois de entrar e trancar a porta, ouço o ruído de alguém do outro lado tentando encaixar, sem sucesso, a chave na fechadura, foi quando eu decidi dar uma mãozinha e abrir por dentro.

Ao puxar a maçaneta, eis que daquele orifício retangular me surge um chinesinho vestido em um casaco esporte preto, uma bermuda cáqui e tênis branco com uma meia da mesma cor esticada quase até o meio da panturrilha. Poderia aqui especular sobre a idade dele, mas não o farei, porque, em se tratando da etnia amarela, essa é uma tarefa bastante difícil, uma vez que esse povo tem alguma dificuldade em criar rugas ou fios de cabelo branco. Ao me avistar, este cidadão arregalou os olhos me conferindo da cabeça aos pés, olhou repetidas vezes para mim e para o número da porta do quarto e só parou de fazer isso para me perguntar:

- Boa noite, você está nesse quarto? Desculpe, estou perguntando porque estou nele. 

Eu, com um sorriso estampado, respondi com um singelo sim. Ele então replicou: olhe, eu estou nesse quarto, mas, se você quiser você pode ficar, ok?

- Não é uma opção minha, a recepção me deu um chaveiro com o número desse quarto, respondi. 

E então ele saiu, retornando em alguns minutos com um semblante de preocupação: Fui na recepção, você está nesse quarto mesmo, mas se você não se importa, você pode ficar. Disse ele. 

Eu parei, sentei na minha cama e tentei entender qual era o problema dele. Para resumo de conversa, ele me disse que nunca viu um hostel colocar homem e mulher sob o mesmo teto, que eu era corajosa de viajar sozinha e dividir quarto que tem homem, mas que ele era um bom rapaz e não ia me fazer mal.

Quando eu pensei que a odisseia tinha terminado, ele, sem eu ter feito jamais uma pergunta ou ter pronunciado sequer uma palavra, deu para contar sobre seu trabalho, sua vida em Honk Kong, sua viagem e disparou a falar naquele inglês pulado no L, como se não houvesse amanhã. Depois de 10 minutos de um discurso que me embalava como uma canção de ninar, decidi que, enquanto ele falava, eu ia fazendo minhas coisas no computador, tentando conectar a internet que não funcionava de jeito maneira, dando respostas monossilábicas e balançando a cabeça positivamente. E assim, a coisa seguiu até que ele se despediu dizendo que não queria mais me incomodar e ia dormir, não sem antes me desejar uma boa viagem. Ele então se deitou com a barriga para cima, braço direito apoiado nos olhos e, como se estivesse comandado por algum aplicativo de smartphone, em apenas 30 segundos já estava roncando como uma criancinha.

Meu sono passou, quando dei por mim, o sol já ensaiava nascer. Com medo que o chinesinho acordasse e disparasse a falar novamente, desliguei o computador, me acomodei em posição fetal e tentei dormir. Dois dias depois, encontro com essa criatura na Suécia, no porto de Estocolmo a caminho de Helsinque, na Finlândia, mas isso é assunto para outra postagem. E foi assim, com esse senso de humor, que a Escandinávia me deu as boas vindas e eu iniciei minha peregrinação pelo velho continente, feliz e mais vibrante que cor de esmalte da moda.














16 outubro, 2013

Ryanair. Primeiro post todinho para ela.

Venho, por meio deste, agradecer a existência da polêmica Ryanair que insiste em nutrir uma relação de amor e ódio com seus clientes que querem viajar pagando uma ninharia, mas acham ruim ter que abrir mão de levar bagagem e suportar tantas adversidades durante o voo. Pra mim, Ryanair é alegria, é emoção, é vida, somente bons adjetivos tenho para ela. Quando assisti ao mais recente filme de Almodóvar, pensei que o staff do avião de Amores Passageiros pudesse ter sido inspirado no dessa empresa aérea de baixo custo, que opera em boa parte do continente europeu. 

Os aeromoços, muitos deles gays, não precisam esconder seu rebolado. Quanto às aeromoças, esqueça aquela classe, e a simpatia é muitas vezes falsa. A maquiagem barata e borrada entrega a estafante jornada de trabalho e lhe dá a aparência de desgaste. No cabelo, o coque é desgrenhado e o rabo de cavalo muitas vezes é feito de megahair com cores e consistência totalmente diferentes do que Deus lhe deu por vida, sem falar nos calçados de salto torto e com a sola perto de vencer, totalmente marcado por topadas. Elas carregam peso, se abaixam por debaixo da cadeira pra tentar encaixar as bagagens de mão que sobram sem espaço, correm de um lado pro outro do avião, suam de verdade. 

Alçado o voo, a melhor parte da viagem é aquela apresentação das saídas de emergência, é uma cena tão hilária que eu só consigo assistir e acabo nem prestando atenção nas instruções. Enquanto acontece a narração nas caixas de som, elas vão fazendo a mímica, mandando os clientes calarem a boca, com uma educação que só elas tem, e com uma expressão que pode variar de quem está pensando no filho que deixou pra sogra tomar conta, na noitada de ontem, ou na organização dos próximos minutos quando eles precisam ser ágeis pra passar cliente por cliente com o cardápio. 

Quando o voo é longo, é mais tranquilo, mas se leva menos de 1 hora, instala-se um pandemônio e Avenida Sete de Setembro perde pra Ryanair. Enquanto um passa vendendo comida e bebida, outro passa vendendo bilhete da loteria, outro com cosméticos, outro com a máquina do cartão de crédito e lá vai. Você que deixe a ponta do seu cotovelo pra fora da cadeira. Sem falar na boa vontade pra atender os clientes, eu sempre pergunto alguma coisa a alguma delas só pra ouvir a resposta. No voo que fiz de Bruxelas para Oslo, um senhor que estava na minha frente pediu um uísque, a aeromoça mostrou duas garrafinhas, uma de Jack Daniels e outra de outra marca que não lembro o nome. O senhor perguntou a aeromoça qual ela achava melhor, prontamente ela respondeu: Não sei, só bebo Red Label. O público da Ryanair também faz jus ao preço que paga para viajar. Entra no avião mais afoito que cobra quando perde a peçonha, num salve-se quem puder pra conseguir um espaço pra mala e um bom lugar pra sentar. 

Viajar por outra companhia? Nem pensar, só se não tiver remédio! A Ryanair torna minhas viagens mais baratas, mais animadas e, diga-se de passagem, praticamente um roteiro de filme.

*Meu amigo Múcio acaba de me mandar uma mensagem me lembrando dos passageiros que batem palmas quando o avião aterriza o que, na sequencia, me fez lembrar de uma musiquinha que eles botam de uma cavalaria chegando com glória ao seu destino, que eu acabei esquecendo de mencionar. Não é demais? Se tiver a oportunidade, não deixe de viajar de Ryanair, de quebra, você ainda pode conhecer um lugar legal.